o último ano da minha vida

Maria Luiza
2 min readAug 4, 2024

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registro de um dos muitos dias no hospital

*texto de dezembro de 2023

escrevo esse trecho diretamente do hospital. sem nenhuma certeza se vou publicar ou deixar alguém ler. me sinto uma idiota quando escrevo sobre experiências individuais, algo como “quem é que liga?”.

estou bem, apesar de uma dor incessante e mental e física. escrevo pra lembrar que estou bem. logo eu que sempre tive medo de esquecer!

prognóstico é uma palavra que eu nunca ouvi meu médico pronunciar mas que reconheço muito bem, das noites não dormidas em sites estrangeiros e revistas médicas. remissão é outra palavra que sempre ouvi da boca de muitos mas nunca da boca do meu oncologista.

um tempo atrás, li um estudo que dizia que menos de 40% das pessoas diagnosticadas com o câncer linfoeptelial da nasofaringe epstein-barr, estágivo iv, (meu caso), sobreviviam mais de 5 anos após o diagnóstico.

bem, eu já vivi quatro. fui diagnosticada em dezembro de 2019 e, desde então, tenho decorado frases explicativas sobre os meus processos para perguntas repetidas sobre esse acontecimento tão aleatório e incompreensível, pra maioria das pessoas.

não gosto de pensar que sou especial. nem de pensar que sou sortuda. afinal, tudo que me foi provado é que estou do lado contrário da sorte, levando em consideração a probabilidade de se ter um câncer viral não genético morando no seu corpo que é mais comum na CHINA, em homens VELHOS, que comem muito PEIXE SALGADO…

mas, não estou aqui para lamentar a aleatoriedade do meu destino, nem as sessões de quimioterapia ou reclamar do sistema público de saúde. não tô aqui para contar uma grande história de romance, superação e luto digna de um filme de sessão da tarde.

esse é só um registro do último ano da minha vida. da vida que eu conheço. enquanto digito não posso deixar de sentir um leve desespero, uma vontade de que as coisas terminem diferentes, de saber, igual o dr. estranho, todos os finais possíveis dessa palhaçada pela qual estou tendo que passar. sei que quem quer que leia isso num futuro também deve sentir.

mas do que valeria um bom texto se pudéssemos adivinhar o final sempre? do que valeria a vida se eu soubesse exatamente como tudo acaba? eu nem começaria a ler esse livro ou assistir essa série. não quero roubar o arrebatamento das reviravoltas de ninguém, muito menos de mim.

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